Lorena Cristina Nóbrega Félix,[a] Andréa Monteiro Santana Silva Brito,[a] Gabriel Bercley de Lima Vitorino,[a] Quézia Raquel Ribeiro da Silva,[a] Francisco Ferreira Dantas Filho[b] y Maria José de Filgueiras Gomes[a]
Resumo
A experimentação e a contextualização são metodologias importantes no ensino de química. Este estudo teve como objetivo desenvolver uma sequência didática (SD) voltada para a inserção da experimentação e contextualização no ensino, utilizando a temática da palma forrageira (PF). Foram elaborados três kits experimentais com três gêneros diferentes de PF, e, por meio de pesquisa qualitativa, foram analisados os conhecimentos químicos construídos pelos estudantes a partir das práticas experimentais contextualizadas. Os dados foram coletados por meio do desenvolvimento da SD e interpretados com base nas etapas da análise de conteúdo. Os resultados mostraram que os estudantes compreenderam os conteúdos abordados e perceberam as conexões entre a química, o cultivo e o uso da PF. Conclui-se que o desenvolvimento de práticas experimentais contextualizadas favoreceu o envolvimento e a participação ativa dos estudantes nas discussões, além de ajudar a identificar limitações na transição entre os níveis macroscópico, submicroscópico e representacional.
Palavras-chave:
Experimentação no ensino de química, contextualização no ensino, palma forrageira, sequência didática, práticas experimentais, ensino de ciências.
Experimentation and contextualization are important methodologies in chemistry teaching
Abstract
Experimentation and contextualization are important methodologies in chemistry teaching. This study aimed to develop a didactic sequence (DS) focused on integrating experimentation and contextualization into teaching, using the theme of forage palm (FP). Three experimental kits were developed with three different types of FP, and through qualitative research, the chemical knowledge constructed by students from contextualized experimental practices was analyzed. The data were collected through the development of the DS and interpreted based on the steps of content analysis. The results showed that students understood the covered content and recognized the connections between chemistry, cultivation, and the use of FP. It is concluded that the development of contextualized experimental practices promoted student involvement and active participation in discussions, as well as helping to identify limitations in the transition between macroscopic, submicroscopic, and representational levels.
Keywords:
Chemistry teaching experimentation, contextualization in teaching, forage palm, didactic sequence, experimental practices.
Ao planejar e articular práticas de ensino que possibilitem discussões sobre temáticas do cotidiano do estudante, o professor propiciará novas leituras da química, evidenciando a estreita relação existente entre o conhecimento, as atividades e as observações diárias. Santos e Menezes (2020) reconhecem que a experimentação, quando pensada a partir de aspectos culturais e sociais dos estudantes, se apresenta como uma possibilidade metodológica para a vinculação entre química e cotidiano. Nessa perspectiva, ela pode ser compreendida como uma atividade que propicia a articulação entre teorias e fenômenos (Firme, 2024).
Segundo Luca e Del Pino (2021), uma perspectiva de experimentação que respeite e valorize os aspectos do cotidiano do estudante se configura como um importante espaço de criação e envolvimento ativo, uma vez que oportuniza trocas de conhecimentos construídos nas vivências diárias com a família e a comunidade. É nesse sentido que se reconhece a possibilidade de aproximar a experimentação e a contextualização, criando caminhos para o estabelecimento de discussões sobre temas de relevância social, ética e ambiental, contribuindo para a formação científica e cidadã do estudante.
Conforme Sousa e Ibiapina (2023), a contextualização é compreendida como uma estratégia pedagógica que busca relacionar questões ou temáticas de relevância atual a conteúdos didáticos, pressupondo que esse movimento dialógico promove a aprendizagem e a motivação do estudante para aprender ciências. Quando articulada à experimentação, a contextualização pode contribuir para a superação de visões reducionistas, uma vez que estimula a reflexão, a criação e o teste de hipóteses, a formulação e a discussão de argumentos, destituindo as práticas experimentais de atividades voltadas à mera comprovação de teorias.
Sabendo das potencialidades advindas da experimentação-contextualização e em atenção às temáticas relevantes no contexto das práticas pedagógicas dos autores, a palma forrageira (PF) foi estabelecida como possibilidade para discussão de conteúdos químicos, devido à sua relevância social e econômica, especialmente no que diz respeito ao cultivo e à comercialização desta espécie vegetal (Gomes, 2020).
No Brasil, a palma cultivada é praticamente destinada, em sua totalidade, à composição da dieta de animais, servindo como uma alternativa importante na região semiárida, particularmente no Alto Sertão do Pajeú, em Pernambuco. A PF também pode ser destinada à geração de energia e se apresenta como matéria-prima para a indústria de cosméticos e sabão, fibras para uso artesanal, biopolímeros, entre outros (Sáenz, 2004).
Considerando o exposto, abordou-se a seguinte problemática central: como traçar um planejamento pedagógico que vincule contextualização e experimentação a partir da temática PF? Com isso, o objetivo deste trabalho foi desenvolver uma sequência didática (SD) voltada à inserção da experimentação e contextualização no ensino de química, utilizando kits previamente elaborados com o uso da PF.
Em atenção às buscas empreendidas, esta pesquisa se aproxima de uma abordagem qualitativa, considerando que os dados obtidos apresentam natureza não quantificável (Ludke & André, 1986). Com relação ao objetivo proposto, este estudo tem caráter exploratório, voltando-se ao entendimento de um tema ainda pouco explorado (Gil, 2018). No que tange aos procedimentos, este estudo configura-se como uma pesquisa-ação. Independentemente das técnicas utilizadas, esse tipo de pesquisa pretende investigar a dimensão da ação, buscando instaurar em um grupo uma dinâmica de princípios e práticas dialógicas, participativas e transformadoras (Thiollent, 2011).
Dessa forma, esta pesquisa foi desenvolvida em uma escola estadual no Sertão do Pajeú, em Pernambuco/Brasil. Participaram voluntariamente 28 estudantes da 3ª série do ensino médio, com idades entre 17 e 20 anos. A turma foi escolhida considerando os conteúdos didáticos a serem abordados nas atividades experimentais propostas, que geralmente compõem os currículos de química nessa etapa. Respeitando a ética e a privacidade de cada participante, os estudantes foram identificados por códigos alfanuméricos, de E1 a E28.
Vale ressaltar que os kits foram previamente elaborados exclusivamente para a realização do trabalho, e envolveram três gêneros de palma forrageira (Nopalea cochenillifera (L.) Salm-Dyck, clone Miúda – MIU; Opuntia stricta (Haw.) Haw, clone Orelha de Elefante Mexicana – OEM; e Opuntia ficus indica Mill., clone Gigante – GIG) (Araújo Júnior, 2021).
Em atenção às possíveis contribuições das atividades experimentais investigativas, bem como da contextualização no ensino de química, foi elaborada uma sequência didática (SD) a partir da temática “Palma Forrageira” (Tabela 1).
Tabela 1. Descrição da Sequência Didática “Palma Forrageira”.
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Momento da SD – Objetivos e duração |
Conteúdos |
Estratégias metodológicas |
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1º - Ampliar a percepção dos alunos sobre as possibilidades de uso da PF; Relacionar as discussões ao contexto escolar e social. Duração: 1 aula/50 min |
Reações de saponificação; funções orgânicas; polaridade; solubilidade. |
Discussões sobre a PF, aplicações e usos; apresentação de reportagem televisiva e de questões preliminares. |
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2º - Compreender os conceitos químicos relacionados à produção de sabão de palma; avaliar a viabilidade econômica da produção do sabão. Duração: 3 aulas/50 min (cada) |
Produção de sabão de PF a partir do kit experimental I; aula expositiva e dialogada sobre os conceitos químicos presentes na produção do sabão. |
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3º - Refletir acerca dos conhecimentos adquiridos; relacionar os conceitos químicos à atividade experimental proposta. Duração: 1 aula/50 min |
Aplicação do questionário 1*, voltado a discussões quanto ao conceito de reação química, sobretudo no que se refere à saponificação. |
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4º - Conhecer formas alternativas de tratar o plantio de palma e proteger de pragas; relacionar as discussões ao contexto histórico e econômico do desenvolvimento da palma. Duração: 2 aulas/50 min (cada) |
Ácidos e bases; indicadores ácido-base; pH; diluição de soluções. |
Palestra sobre diferentes tipos de palma e pragas que acometem as espécies, além de reprodução de vídeos e entrega de folheto educativo sobre a praga cochonilha do carmim. |
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5º - Compreender os conceitos químicos relacionados à produção de sabão de palma; avaliar aspectos relacionados ao cultivo da palma destinada para a produção do corante de cochonilha. Duração: 2 aulas/50 min (cada) |
Uso de indicador ácido-base, produzido a partir da cochonilha do carmim, por meio do kit experimental II; aula expositiva e dialogada sobre corantes naturais e indicadores de pH. |
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6º - Refletir acerca dos conhecimentos adquiridos; avaliar os conceitos químicos envolvidos. Duração: 1 aula/50 min |
Aplicação do questionário 2*, voltado a discussões acerca da identificação de substâncias ácidas e básicas a partir do uso de indicadores. |
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7º - Compreender o uso da PF na alimentação humana. Duração: 1 aula/50 min |
Misturas; estequiometria. |
Reprodução de reportagens televisivas sobre o uso da palma na alimentação humana. |
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8º - Compreender os conceitos químicos relacionados; discutir a viabilidade do uso da PF para a alimentação humana. Duração: 2 aulas/50 min (cada) |
Produção de bolo de PF a partir do kit experimental III; aula expositiva e dialogada sobre os conteúdos químicos abordados. |
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9º - Refletir acerca dos conhecimentos adquiridos; avaliar os conceitos químicos envolvidos na atividade. Duração: 1 aula/50 min |
Aplicação de questionário 3*, o qual se voltou a discussão do conceito de proporcionalidade e de aspectos relativos à estequiometria. |
Conforme apresentado, a SD proposta foi organizada em 9 momentos didáticos, os quais foram cumpridos ao longo de 14 aulas de 50 minutos cada. Esse planejamento foi traçado de maneira a oportunizar reflexões sobre múltiplos aspectos relacionados à produção e utilidades da PF, uma espécie vegetal presente na região do estudo. Como forma de situar os estudantes quanto à temática, que associa a química à realidade social em que vivem, foi priorizada no planejamento a apresentação de reportagens e outros materiais que abordam o uso da PF em diferentes contextos.
Ademais, para reconhecer a relevância das atividades experimentais, após as práticas desenvolvidas, foram aplicados diferentes questionários que exploraram os conceitos aprendidos. É importante destacar que todas as etapas da sequência didática, inclusive as práticas experimentais, foram realizadas em sala de aula (com portas e janelas abertas), devido à inexistência de um laboratório de Química na escola.
Em relação aos kits, estes foram testados e montados no laboratório de Química da Unidade Acadêmica de Serra Talhada/UFRPE, priorizando o uso de materiais de baixo custo e fácil aquisição, conforme a descrição na Tabela 2.
Tabela 2. Descrição dos Kits Experimentais.
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Kit Experimental (clone do gênero PF) |
Procedimento Experimental |
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Kit I – Sabão de PF (OEM) |
Em 500 mL de H2O foram dissolvidas 250 g de NaOH. A mistura foi deixada em repouso. A PF foi cortada, retirada os espinhos e trituradas. Em um recipiente foram adicionadas NaOH, sebo bovino e a PF triturada. A mistura foi agitada por 10 min. Após esse tempo, 1 L de etanol foi adicionado e agitado. Por fim, a essência foi adicionada e o sabão obtido repousou por 2 h. |
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Kit II – Indicador ácido-base de cochonilha (GIG) |
Foram pesadas 30 g de cochonilha e levados ao micro-ondas por 15 s. Após isso 50 mL de H2O foram adicionadas. O extrato de cochonilha foi utilizado para a determinação de pH. |
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Kit III – Bolo de PF (MIU) |
Um ovo foi adicionado à caneca, seguido pela farinha de palma (20 g), manteiga (5 g), leite (10 mL), açúcar (20 g) e fermento. A mistura foi homogeneizada e levada ao micro-ondas por 2 min. |
Esta pesquisa recorreu à análise de conteúdo como caminho metodológico para examinar os dados alcançados (Bardin, 2016). A análise de conteúdo seguiu o desenvolvimento de três etapas: (I) pré-análise, que se refere à organização e leitura flutuante do material; (II) exploração do material, na qual se realiza a codificação e categorização dos dados a partir de unidades de sentido; e (III) tratamento dos dados, fase em que os resultados são interpretados a partir do referencial teórico assumido.
Na fase de pré-análise, foi realizada a leitura do material selecionado para a pesquisa. Na segunda fase, os resultados alcançados foram organizados com base em sentidos similares, o que originou três categorias de análise: (I) sabão de palma na aula de química; (II) os impactos e possibilidades para a praga cochonilha do carmim; e (III) a PF na alimentação humana.
Definidas as categorias, procedeu-se com o tratamento dos resultados a partir do referencial teórico exposto.
Inicialmente, foi apresentada aos estudantes a temática a ser desenvolvida, utilizando a exibição de reportagens e matérias jornalísticas sobre a PF, além da proposição de questões preliminares.
Entre as observações iniciais, foi possível perceber que grande parte dos estudantes (64%) demonstrou conhecimento sobre a PF, especialmente seu uso na alimentação animal, sendo essa a única aplicação conhecida por eles, como destacam os excertos: “contém um líquido dentro dela que também serve para alimentar o gado” (E11) e “na maioria das vezes é usada para alimentar o gado” (E18).
As respostas evidenciaram a necessidade de explorar outras possibilidades para o uso da PF, o que levou ao desenvolvimento da prática de produção de sabão (Figura 1).
Figura 1. Sabão de PF Produzido.
A atividade foi realizada de forma coletiva, com a participação ativa dos estudantes, após discussões sobre normas de segurança básicas. Durante o experimento, foram apresentadas funções orgânicas como ésteres, ácidos carboxílicos e álcoois, além dos conceitos de ácidos e bases. A reação de saponificação foi discutida, assim como a polaridade e solubilidade.
Segundo Alexandre, Dias e Filomeno (2023), a promoção da reação de saponificação constitui uma via para o fortalecimento da educação ambiental, considerando as implicações do descarte inadequado de óleos. É necessário criar condições para que os estudantes se reconheçam como agentes de transformação social, fundamentando suas ações na busca por soluções para questões sociais e ambientais.
Após a atividade experimental, os conceitos mobilizados foram retomados em uma aula expositiva e dialogada, que foi finalizada com a aplicação de um questionário. Inicialmente, os estudantes foram questionados sobre as evidências que confirmam a ocorrência de reações químicas na produção do sabão. 79% citaram mudanças de cor e temperatura como evidências de reações químicas. Os 21% restantes não mencionaram esses aspectos, mas descreveram a reação ocorrida, resposta considerada parcialmente satisfatória, conforme o excerto a seguir: “a junção dos triglicerídeos com as bases produz a reação que forma o sabão” (E4).
Quanto à escrita da reação de saponificação, 79% dos estudantes representaram adequadamente a equação química genérica de obtenção do sabão, expressando corretamente os reagentes e produtos. Já 21% indicaram a solidificação do produto como resultado da reação química, resposta considerada insatisfatória. É importante ressaltar que, embora semelhantes, os índices de respostas incoerentes nas questões anteriores não correspondem ao mesmo conjunto de participantes. 15% dos estudantes que, na questão anterior, não identificaram claramente as evidências da ocorrência de reações químicas, conseguiram escrever corretamente a reação de saponificação, fato que sugere limitações na transição entre os níveis macroscópico e representacional. Essas limitações foram discutidas em uma aula expositiva e dialogada subsequente.
Os estudantes também foram questionados sobre a relevância da prática experimental de produção de sabão no processo de ensino e aprendizagem. Todos afirmaram que a atividade facilitou o entendimento da reação de saponificação: “ficou mais fácil entender vendo o que acontecia” (E1). Tal observação corrobora a afirmação de Santos e Menezes (2020), que consideram que atividades experimentais bem planejadas proporcionam importantes momentos de reflexão e teste de hipóteses. É preciso destacar que, embora a prática experimental tenha sido fundamental, ela por si só não foi suficiente para garantir a superação das dificuldades evidenciadas por alguns estudantes em relação à transição entre os níveis macroscópico, submicroscópico e representacional. Essa metodologia foi associada a aulas expositivas e dialogadas, a fim de superar concepções limitantes.
No 4º momento da sequência didática, destaca-se o uso de vídeos e materiais impressos sobre a PF, especialmente em relação à cochonilha do carmim, praga que afeta essa espécie vegetal (Figura 2). Neste momento, também foi promovida uma palestra com o objetivo de gerar reflexões acerca dos impactos causados por essa praga nas plantações.
Figura 2. Raquete de PF infestada de cochonilha do carmim.
Após a palestra, foram estabelecidas conexões entre a cochonilha e os conteúdos químicos, identificando a praga como produtora do ácido carmínico, corante natural conhecido como carmim, utilizado nas indústrias farmacêuticas, têxteis e alimentícias para conferir tons vermelhos e laranjas a diversos produtos (Santos et al., 2022). Essa característica levou diversos estudos (Dias, Guimarães e Merçon, 2003) a relatar a aplicação da cochonilha como indicador químico, sendo capaz de atuar na determinação do pH (Figura 3).
Considerando as possibilidades de discussão que surgem a partir da cochonilha do carmim, foi proposta uma atividade experimental voltada para a produção do indicador ácido-base. Nesse momento, os conceitos de ácidos, bases, pH e soluções foram revisados.
Após as discussões, os estudantes foram questionados sobre o que caracteriza uma substância como ácida ou básica. Com base nas respostas obtidas, é possível afirmar que 100% dos estudantes compreenderam as diferenças entre essas substâncias, mencionando o conceito postulado por Bronsted-Lowry, bem como a escala de pH. Além disso, foi feita uma nova pergunta: por que indicadores ácido-base, como o derivado da cochonilha do carmim, sofrem variação de cor de acordo com o pH do meio? As respostas se basearam nos conceitos trabalhados durante as aulas, como a presença de antocianinas e sua resposta colorimétrica à variação do pH. Embora fosse possível explorar essas variações a partir de discussões sobre a predominância de íons H3O+ ou OH- e sua influência no meio, os estudantes fundamentaram suas respostas no que foi discutido em sala, onde não apenas a aplicabilidade do extrato de cochonilha do carmim foi explorada para determinação do pH, mas também de outros indicadores naturais, como o repolho roxo, a beterraba, a jabuticaba e as uvas.
Figura 3. Amostras de suco de limão (esquerda) e soda cáustica (direita) após a adição do indicador de cochonilha do carmim.
Ao final desse questionário, foi solicitado aos estudantes que organizassem as substâncias com o indicador natural de cochonilha do carmim em ácidos ou bases. 79% dos estudantes conseguiram fazer a diferenciação adequadamente, enquanto 21% demonstraram dúvidas. Esse grupo pode ter tido dificuldades para interpretar a questão proposta, uma vez que, durante a realização do experimento, conseguiram discutir com a turma as respostas obtidas em cada amostra, o que não foi observado no questionário.
No 7º momento da sequência didática, foram realizadas reflexões sobre o uso da PF na alimentação humana, considerando sua aplicação no preparo de diferentes receitas. Além de destacar outras possibilidades para a palma, o desenvolvimento dessa atividade estimulou os estudantes a reconhecerem as conexões entre a química e a culinária, criando oportunidades para abordar diferentes conteúdos, como estequiometria.
De acordo com Souza et al. (2020), a palma forrageira é considerada uma Planta Alimentícia Não Convencional (PANC), sendo uma cactácea segura para consumo humano. Nunes (2011) destaca que a introdução da PF na dieta humana se justifica por suas características nutricionais, que incluem a presença de vitaminas do complexo B e C, além de minerais como potássio, sódio e magnésio.
No 8º momento, foi realizada uma prática experimental voltada para a produção de bolos com farinha de PF (Figura 4), estimulando os estudantes a compreenderem a importância da proporção dos ingredientes e dos reagentes em uma reação química. Durante essa atividade, foram discutidas as relações de proporcionalidade e os cálculos estequiométricos. Esse momento foi seguido por um questionário, visando avaliar os conhecimentos adquiridos.
Figura 4. Bolo produzido com farinha de palma.
Inicialmente, os estudantes foram questionados sobre a importância da proporção entre os ingredientes do bolo. Todos reconheceram que a proporção definiria o resultado do bolo, podendo alterar tanto o tamanho quanto o sabor. Na segunda questão, foi solicitado que os estudantes realizassem cálculos matemáticos de proporcionalidade: quantos ovos seriam necessários para fazer o bolo utilizando 100 g de farinha de palma? Com base nas respostas obtidas, verificou-se que 100% dos estudantes realizaram o cálculo satisfatoriamente, apresentando narrativas semelhantes ao seguinte excerto: “5 ovos, isso para a receita ficar balanceada” (E3).
Ao final desse momento, os estudantes refletiram sobre os processos que ocorrem para que o bolo seja preparado. As respostas indicaram que 40% não conseguiram elaborar respostas satisfatórias, enquanto 60% compreenderam a ocorrência de reações químicas, citando, inclusive, algumas evidências: “ocorrem várias reações químicas ao longo do processo de produção do bolo. A liberação de gases, por exemplo, é um sinal dessas reações” (E1). Pode-se inferir que os gases mencionados pelo estudante referem-se à reação que ocorre quando o fermento é adicionado à massa, resultando na formação de gás carbônico (CO2) (Aplevicz; Schmitz; Dias, 2014).
Ao final dessa série de atividades experimentais, os estudantes foram convidados a refletir sobre os pontos positivos e negativos das práticas realizadas, resultando nas seguintes narrativas:
“O que eu mais gostei foi de fazer bolo com a farinha da PF, eu nem sabia que dava para comer ela e fazer outras coisas” (E2).
“Achei muito interessante porque nunca tinha visto bolo de palma e principalmente farinha tem várias receitas incríveis que me chamou muito atenção vários experimentos que dá para fazer. Adorei, aprendi muito sobre a PF é muito incrível que alguns lugares utilizam ela para alimento e consumo próprio. Tenho vontade de experimentar, deve ser exótico, adorei “(E11).
“Eu gostei de todas as atividades, elas fizeram as aulas ficarem mais divertidas. E estimulou alguns a tentar conhecer mais sobre a nossa região” (E26).
Com base nesses excertos, é possível perceber que as atividades experimentais desenvolvidas estimularam a participação dos estudantes e destacaram as potencialidades da PF em diversos contextos. Nesse sentido, é relevante a reflexão de E2 e E11 sobre as possibilidades dessa espécie vegetal para o consumo humano, ampliada por E26, que destaca o aumento do conhecimento sobre a região em que os estudantes vivem.
Luca (2021) aponta que a experimentação associada à contextualização deve, principalmente, buscar estabelecer conexões entre os estudantes e uma determinada situação ou temática, processo que estimula a construção e investigação de hipóteses. Para que haja uma aproximação com a questão proposta, é essencial que ela seja pensada levando em consideração aspectos culturais próprios dos estudantes. A partir desse estreitamento, será possível perceber como os conhecimentos pré-existentes sobre o tema se cruzam com os novos saberes adquiridos a partir do exercício investigativo.
Inicialmente, a palma forrageira foi entendida como uma temática relevante para o ensino de química, escolha que não foi aleatória, mas resultante do reconhecimento de sua importância social e econômica na região e no cotidiano dos estudantes participantes. O planejamento baseou-se em outras possibilidades dessa espécie vegetal, além da alimentação animal, o que estimulou o exercício investigativo. Os momentos didáticos propostos possibilitaram aos estudantes compreender como a química se relaciona com atividades e práticas cotidianas, além de mostrar como ela pode auxiliar na superação de desafios, como no caso da praga cochonilha do carmim e seu potencial uso como corante.
Os kits experimentais elaborados possibilitaram o desenvolvimento de experimentação, mesmo na ausência de laboratório na escola. Por serem de baixo custo, fácil aquisição e desenvolvimento, esses kits permitiram que os participantes tivessem maior autonomia durante as atividades, o que gerou mais engajamento e motivação. Em relação ao desempenho dos estudantes nos questionários aplicados após as práticas experimentais, observou-se que 79% dos participantes demonstraram conhecimento sobre as evidências de reações químicas, além de representarem adequadamente a equação química genérica da reação de saponificação. Índices similares foram alcançados na classificação de substâncias em ácidas ou básicas, usando o indicador de cochonilha do carmim.
Considerando os resultados obtidos, percebeu-se que as principais dúvidas dos estudantes nas questões propostas estavam relacionadas às limitações na transição entre os níveis macroscópico, submicroscópico e representacional. A identificação desse aspecto permitiu concluir que, embora as atividades experimentais contextualizadas tenham contribuído para a compreensão de diferentes conteúdos químicos, foi necessário associá-las a outras metodologias, como aulas expositivas e dialogadas, para explorar adequadamente as questões relativas aos três níveis do conhecimento químico.
Os autores agradecem a todos os participantes deste estudo, incluindo os estudantes envolvidos. Agradecem também à professora Ruth do Nascimento Firme pelo suporte teórico (DQ/UFRPE); ao Instituto Agronômico de Pernambuco/Calumbi; ao Laboratório de Química da Unidade Acadêmica de Serra Talhada (UAST/UFRPE); ao Grupo de Análises Químicas em Serra Talhada (GAQ/UAST/UFRPE); ao CNPq (INCTAA/proc. 465768/2014-8); ao PROFQUI/UFRPE; à Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco e à Escola EREM Antônio Gomes da Silva/Calumbi-PE.
1) Você conhece a palma forrageira? ( ) Sim ( ) Não
2) Caso a resposta anterior tenha sido afirmativa, saberia citar como a palma forrageira é ou pode ser usada/aplicada em sua região? (pode dar várias exemplos se souber)
3) Ao produzir o sabão ocorre uma reação química. Que evidências você pode citar para confirmar a afirmação a partir da execução do experimento?
4) Qual o tipo principal de reação química que ocorreu no processo de produção de sabão?
5) As equações químicas são as formas simbólicas utilizadas para representar as reações químicas. Sabendo disto, escreva a equação que representa quimicamente a reação que está acontecendo?
6) Após os estudos realizados, qual o título que você poderia indicar para este KIT?
7) Com base nas hipóteses levantadas na discussão para explicar o que estava sendo observado para a produção do sabão de palma forrageira, o que você indicaria como hipótese correta? Se tiver mais de uma pode indicar.
1) No seu entendimento, o que caracteriza uma substância ácida ou básica?
2) Por que os indicadores ácido-base sofrem variação de cor de acordo com o pH do meio?
3) Ao final da atividade e baseando-se na escala de pH fornecida, você consegue afirmar o caráter ácido, básico ou neutro das substâncias analisadas?
4) Após os estudos realizados, qual o título que você poderia indicar para este KIT?
5) Com base nas hipóteses levantadas na discussão para explicar o que estava sendo observado, o que você indicaria como hipótese correta? Se tiver mais de uma pode indicar.
1) A proporção entre os ingredientes do bolo é importante?
2) Quantos ovos serão necessários para fazer bolos de caneca se utilizarmos 100g da farinha de palma?
3) Procure esquematizar uma equação da reação química que ocorre na produção do bolo de caneca?
4) Após os estudos realizados, qual o título que você poderia indicar para este KIT?
5) Com base nas hipóteses levantadas na discussão para explicar o que estava sendo observado para a produção do bolo de palma forrageira, o que você indicaria como hipótese correta? Se tiver mais de uma pode indicar.
6) Diga o que você mais gostou e o que não gostou nos kits utilizados. Sugere alguma modificação?
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Recepción: 2024-03-28. Aceptación: 2024-12-04.
Cómo citar:
Nóbrega Félix, L. C., Brito, A. M. S. S., Vitorino, G. B. L., Ribeiro da Silva, Q. R., Dantas Filho, F. F., & Filgueiras Gomes, M. J. (2025). Experimentação e contextualização no ensino de química com a temática palma forrageira. Educación Química, 36(2). https://doi.org/10.22201/fq.18708404e.2025.2.88145
[a] Universidade Federal Rural de Pernambuco, Brasil.
[b] Universidade Estadual da Paraíba , Brasil.